Supervisão Clínica em Enfermagem & Processo de Supervisão Clínica em Enfermagem

Fonte: familyclinic.pt
A Supervisão Clínica é "um processo dinâmico, sistemático, interpessoal e formal, entre o supervisor clínico e supervisado, com o objetivo de estruturação da aprendizagem, a construção de conhecimento e o desenvolvimento de competências profissionais, analíticas e reflexivas. Este processo visa promover a decisão autónoma, valorizando a proteção da pessoa, a segurança e a qualidade dos cuidados" (Ordem dos Enfermeiros, 2018).
Embora na minha pesquisa bibliográfica tenham surgido diversas definições para este que é o tema chave desta pós-graduação, todas elas iam ao encontro do que está definido pela Ordem dos Enfermeiros, razão pela qual é a definição escolhida por mim para expor neste portfólio.

Se antes da realização desta pós-graduação entendia a supervisão clínica como unicamente um processo de ensino/formação de estudantes em contexto de ensino clínico. Neste momento consigo perceber que a supervisão clínica diz respeito não apenas a estudantes mas também a pares e identificar que vários são os objetivos da supervisão clínica, nomeadamente: promover o desenvolvimento e reflexão ao nível do desenvolvimento pessoal e interpessoal para além das áreas especificas do saber, de forma a que os estudantes/profissionais sejam cada vez mais capazes Fonte: Shutterstock
de agir de forma autónoma e eficaz tendo em conta os desafios do futuro (Antunes et al., 2015).
Para que os objetivos da supervisão clínica sejam atingidos, desde a década de oitenta que têm sido desenvolvidos, por vários autores, modelos de supervisão clínica.
Estes modelos, de acordo com Garrido (2004) citado por Borges (2013) devem proporcionar apoio ao enfermeiro na sua prática clínica, fomentar o desenvolvimento pessoal e profissional do enfermeiro e por último, promover cuidados de enfermagem de qualidade.
Em 2002, já com vários modelos criados, Hykäs, tentou agrupa-los nas seguintes categorias:
1. Centrados no desenvolvimento – Modelos que se focam na vertente educacional da supervisão, sendo um modelo de supervisão-educação em que o papel do supervisor é de ajudar no crescimento e suporte adequado para a prática, tendo em conta a variedade de conhecimentos que o supervisor possui.
Modelos: Faugier (1992) e Friedman e Marr (1995) reúnem esta perspetiva.
2. Centrados nas funções da supervisão clínica – Modelos que se focam na orientação fornecida e no conteúdo abordado nas sessões de supervisão e têm como focos "a garantia da qualidade dos serviços de saúde e o desenvolvimento pessoal do supervisado, com o intuito de aumentar a motivação e melhorar as práticas" (Hyrkäs, 2002).
Modelos: Paunonen (1999) e Proctor (1986), (cit. por Hyrkäs, 2002).
3. Centrados na relação de supervisão clínica – Modelos que se focam na relação supervisiva
Modelos: Heron (1990), modelo este que, mais tarde, foi adaptado por Cutcliffe e
Epling (1997), Farrington (1995) e Severinsson (2001).
4. Centrados na relação com os doentes – Nestes modelos a supervisão visa os cuidados ao cliente.
Modelos: Ekstein e Wallerstein (1872) e Hawkins e Shohet (1996).
Monteiro, 2014
Foi importante para mim perceber que não existe apenas um caminho de atingir os objetivos definidos para a Supervisão Clínica e que está nas nossas mãos, com o conhecimento que temos do contexto em que nos encontramos, optar pelo modelo que melhor se adaptará.

Fonte: Pinterest
Então e em relação às características do supervisor "ideal"?
Este é um tema que me interessa bastante pois considero que as características do supervisor influencia de grande modo o decorrer do processo de supervisão clínica, podendo até "moldar" a identidade profissional que os estudantes. Assim sendo acabei por efetuar uma reflexão de quais as características que já apresento (identificadas a verde) e quais as que ainda necessito de desenvolver (identificadas a vermelho).
De acordo com um estudo realizado por Blumberg (1976) citado por Borges (2013) o supervisor é uma pessoa:
- Disponível;
- De contactos fáceis, humanos e flexíveis;
- Com quem é agradável trabalhar;
- Repleta de conhecimentos e recursos que colocam à disposição dos supervisados.
Já de acordo com Mosher & Purpel (1972) citados por Borges (2013) o supervisor deve possuir:
- Sensibilidade para identificar problemas e as razões dos mesmos;
- Capacidade para analisar, dissecar e conceptualizar os problemas;
- Capacidade para estabelecer uma comunicação eficaz;
- Competência e desenvolvimento curricular (teoria/prática);
- Competência para um relacionamento interpessoal;
- Responsabilidade social.
Já para Munson (2002) citado por Borges (2013), os supervisores deverão:
- Ensinar os outros;
- Saber fazer sugestões indiretas;
- Ter paciência;
- Saber planear efetivamente;
- Ter uma atitude positiva quando esperam respostas a questões e explicarem as ações;
- Saber discutir problemas organizacionais de modo construtivo;
- Saber tolerar quando outros cometem erros;
- Saber criticar e aceitar críticas;
- Poder trabalhar em equipa .
.
Para que o Processo de Supervisão Clínica seja eficaz é importante que, tal como refere Antunes et al. (2015), "os supervisores adotem diversas estratégias de supervisão, evitando que assente no improviso", porém era isso que, antes de realizar esta Pós-Graduação, me encontrava a fazer cada vez que me encontrava no papel de supervisor.

Surgem como estratégias de supervisão, entre outras, destacadas por Garrido, Simões e Pires (2008); Alarcão e Tavares (2007) citados por Borges (2013):
- Análise documental;
- Demonstração;
- Observação (recolha de informação e a sua organização de modo a possibilitar a sua análise posterior);
- Simulação de situações reais em sessões supervisivas;
Fonte:Vecteezy
Na minha opinião e experiência, as duas estratégias às quais dou maior importância e atribuo maior relevo são a análise de casos, que permite ao estudante treinar a fundamentação para a prática, partilha e discussão através da análise detalhada de situações e a prática reflexiva quer seja através de diálogo reflexivo, portfólios reflexivos ou reflexões críticas.
"O processo de reflexão pode ser treinado e aprofundado ao longo do tempo, através do desenvolvimento de determinadas capacidades de analise e critica sobre as suas práticas, no sentido de ajudar os estudantes a aprenderem a tomar decisões mais sustentadas, descontruindo, construindo e reconstruindo a realidade envolvente" (Rabiais 2016).
No meu entender a prática reflexiva terá de passar de uma obrigação teórica e formal (apenas através de reflexões escritas) para uma rotina diária e informal (através do diálogo reflexivo).
A adoção de uma postura de pensamento crítico não deverá ser apenas do estudante mas também do supervisor. Ambos deverão refletir em separado mas também em conjunto, sendo a reflexão conjunta um trampolim para o desenvolvimento de uma relação de confiança e aprendizagem.

Fonte: Gavers
Também esta prática reflexiva poderá ser utilizada de forma a facilitar a decisão ética em enfermagem.
"Constitui um problema ético de enfermagem, a existência de incerteza face à decisão para agir, quando está em causa o desrespeito pela dignidade das pessoas, dos seus direitos, da sua vontade ou em risco a sua saúde ou o seu bem-estar, suscitando dúvidas ou conflitos sobre os direitos, os valores, os princípios ou as normas a adoptar como fundamentação para a escolha das intervenções de enfermagem, perante uma decisão de cuidado em concreto" (Deodato, 2014).

Fonte: Deodato, 2014
O supervisor deverá envolver-se com o estudante neste processo de construção da decisão ética que se inicia com a identificação do problema termina com a decisão de ação e avaliação, sendo um processo em que cada fase se relaciona com as demais, tal como está demonstrado na imagem acima.
Contributo dos referenciais teóricos na prática de supervisão clínica
Trabalho realizado em aula I
Na vossa prática diária qual o referencial teórico que utilizam?
Afaf Meleis, teoria das transições.





Tal como descrevem Carpiteira et al. (2014) e Zarzycka et al (2014) citados por Ribeiro et al. (2018) as teorias de enfermagem para além de serem vistas pelos enfermeiros como sendo irrelevantes para a prestação dos cuidados de enfermagem, a sua integração na prática continua a criar também bastantes dificuldades. Essa situação foi facilmente percepcionada quando nos foi proposto que realizássemos o trabalho que exponho de seguida.
A realização deste trabalho foi bastante importante na medida em que acabou por auxiliar a apropriar-nos dos referenciais teóricos de forma mais prática, tornando-nos capazes de centrar as intervenções de enfermagem em fundamentos teóricos. Considero que este é também um exercício que poderemos colocar em prática com os estudantes.
Trabalho de realizado em aula II
Estudantes: Ana Patrício , Catarina Costa, Francisca Horta e Costa, Isabel Faia, Stéphanie Tavares, Vera Pontes
Realização de um plano de integração
Local: Serviço de Internamento de Medicina
Supervisado: Enfermeiro recém-formado
Duração: 1 mês
Turnos: Manhã, tarde e noite



Outras descobertas
Não queria deixar mais uma descoberta/aprendizagem realizada no contexto do estudo autónomo no âmbito destas Unidades Curriculares, o MODELO SAFECARE, desenvolvido pela Escola Superior de Enfermagem do Porto (ESEP), a Unidade Local de Saúde de Matosinhos, o Instituto Politécnico de Viana do Castelo e outras instituições de cuidados de saúde.
"O SafeCare constitui-se como um projeto inovador em Portugal e visa a criação de uma cultura de supervisão de profissionais através da implementação de um Modelo de Supervisão Clínica Contextualizado (Modelo SafeCare), cuja metodologia adotada pretende fomentar a criação de ambientes favoráveis à prática e ao desenvolvimento da aprendizagem e da profissão através da identificação das áreas sensíveis à supervisão clínica em Enfermagem" (Carvalho et al., 2020).
Deixo abaixo o manual prático de implementação deste modelo.
Referências Bibliográficas
Antunes, A., Carvalho, J. & Sousa, P. (2015). Uma tríade em supervisão clínica em enfermagem. II Congresso Internacional de Supervisão Clínica. Repositório Comum. 2015 (pp. 265-269). https://comum.rcaap.pt/bitstream/10400.26/31796/1/2015_II%20congresso265-269.pdf
Borges, P. C. E. (2013). Implementação de um modelo de supervisão clínica em enfermagem: perspetivas dos supervisores. [Dissertação de Mestrado, Escola Superior de Enfermagem do Porto]. Repositório Comum. https://www.comum.rcaap.pt/bitstream/10400.26/9447/1/Paula%20Borges_ep3955.pdf
Deodato, S. J. (2010). Decisão ética em enfermagem: do problema aos fundamentos para o agir. [Tese de Doutoramento, Universidade Católica Portuguesa]. Repositório Institucional da Universidade Católica Portuguesa. https://www.repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/4984/3/Tese_Dout_SD_Final_23.10.10.paginada.pdf
Escola Superior de Enfermagem do Porto. (2020). Implementação de um Modelo de Supervisão Clínica em Enfermagem - Manual Prático. https://www.safecare.esenf.pt/wp-content/uploads/2019/06/SafeCare-EBook.pdf
Monteiro, E. S. P. (2014). Implementação de um modelo de supervisão clínica em enfermagem: impacto na organização. [Dissertação de Mestrado, Escola Superior de Enfermagem do Porto]. Repositório Comum. https://www.comum.rcaap.pt/bitstream/10400.26/9466/1/Implementação%20de%20um%20Modelo%20de%20SCE.pdf
Regulamento n.º 366/2018 de 14 de junho. (2018). Regulamento da Competência Acrescida Diferenciada e Avançada em Supervisão Clínica. Diário da República n.º118, Série II, de 2018-06-14. https://www.ordemenfermeiros.pt/media/7936/1665616663.pdf
Ribeiro, O., Martins, M., Tronchin, D. & Silva, J. (2018). Exercício profissional dos enfermeiros sustentado nos referenciais teóricos da disciplina: realidade ou utopia. Revista de Enfermagem Referência. Série IV, n.º19, 39-48. https://www.doi.org/10.12707/RIV18040