Ética, Deontologia e Direito da Enfermagem

Fonte: cutewallpaper.org
De acordo com o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa (2023):

Ética
Diz respeito a: "1. Parte da filosofia que estuda os fundamentos da moral. 2. Conjunto de regras de conduta de um indivíduo ou de um grupo".
A ética está diretamente ligada a valores e princípios que orientam a ação humana e que, no caso da Enfermagem, se encontram espelhados da seguinte forma, no Art.º 99.º do Estatuto da Ordem dos Enfermeiros (Lei n.º 156/2015, 2015):
Valores
a) A igualdade
Ideia chave: os cuidados de enfermagem não devem ser discriminatórios.
b) A liberdade responsável, com a capacidade de escolha, Fonte: Pinterest
tendo em atenção o bem comum
Ideia chave: os cuidados de enfermagem devem ter em conta as vontades tanto do enfermeiro como das pessoas que estão ao seu cuidado, tendo em conta os limites que se impõe a essas vontades. Por exemplo: teremos de respeitar o facto de um utente apresentar, segundo a CIPE (2015) "não adesão ao regime terapêutico", porém somos também responsáveis por tentar capacitar a pessoa para aderir ao regime terapêutico.
Tal como refere a Deodato (2015) o enfermeiro é responsável pelas suas decisões e ações (quer de agir ou omitir a ação) e pelas consequências decorrentes disso mesmo.
c) A verdade e a justiça
Ideias chave: tal como o Sr.Prof. Sérgio Deodato referiu em contexto de sala de aula, deveremos "dar a verdade com a justiça", ou seja, o enfermeiro deve comunicar a verdade e agir de forma congruente com o que comunica, mas de acordo com o que a pessoa aceita saber.
d) O altruísmo e a solidariedade
Ideias chave: os cuidados de enfermagem deverão ter como foco o beneficio dos outros, nomeadamente da pessoa alvo de cuidados, em vez do beneficio pessoal do enfermeiro. No âmbito da equipa surge a importância da solidariedade como forma de atingir melhores cuidados de enfermagem através da partilha de conhecimentos e saberes (Deodato, 2015),
e) A competência e o aperfeiçoamento profissional
Ideia chave: os cuidados de enfermagem deverão ser desenvolvidos com competência que se constrói através do aperfeiçoamento profissional (atividade ao longo da vida através da atualização e desenvolvimento profissional) (Deodato, 2015).
Princípios
a) A responsabilidade inerente ao papel assumido perante a sociedade
b) O respeito pelos direitos humanos na relação com os destinatários dos cuidados
c) A excelência do exercício na profissão em geral e na
relação com outros profissionais.
Deodato (2015) acrescenta que a ética poderá ser vista como a "orientação filosófica sobre o agir humano" e não apresenta carácter obrigatório, dependendo assim da intenção de cada um de a praticar nas suas ações.

Porém considero que deveremos incentivar os estudantes a estudar e refletir mais sobre estes valores e princípios em ensino clínico uma vez que "só terão a correspondente expressão na prática se forem compreendidos e integrados na conduta, permitindo assim a sua operacionalização" e que são estes valores e princípios que acabam por influenciar os deveres expressos na Deontologia (Deodato, 2015).
ADe acordo com o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa (2023):
Deontologia
Diz respeito a um "conjunto de deveres e regras de natureza ética de uma classe profissional", deveres estes que derivam dos direitos presentes na legislação nomeadamente:
- n.º1 do Art.º 25.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem: "toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família a saúde";
- n.º 1 do Art.º 64.º da Constituição da República Portuguesa: " todos têm direito à proteção da saúde e o dever de a defender e promover" (Decreto-Lei 10/04, 1976).
Dos deveres apresentados no Código Deontológico dos Enfermeiros, incluído no Estatuto da Ordem dos Enfermeiros (2015), irei aqui dar destaque aos que mais me chamaram à atenção e com os quais considero que posso trabalhar com os estudantes em contexto de ensino clínico.
Artigo 100.º - Dos deveres deontológicos em geral
O enfermeiro assume o dever de:
b) Responsabilizar-se pelas decisões que toma e pelos atos que pratica ou delega; (Lei n.º 156/2015, 2015)

Nesta alínea estão presentes conceitos importantes de explorar nomeadamente: decisão, ação/intervenção e delegação.
Considero que no Processo de Supervisão Clínica de estudantes em contexto de ensino clínico é importante, ao invés de mantermos uma postura de "mandar fazer", estimular o estudante a treinar o seu processo de tomada de decisão.
Embora as intervenções praticadas pelos enfermeiros, segundo o Regulamento do Exercício Profissional dos Enfermeiros (REPE), possam ser autónomas ou interdependentes, é importante transmitir aos estudantes que até mesmo nas intervenções interdependentes que decorrem de "planos de ação previamente definidos pelas equipas multidisciplinares em que estão integrados e das prescrições ou orientações previamente formalizadas" existe sempre por último uma decisão, devidamente fundamentada, que cabe apenas ao enfermeiro acerca de executar ou não as mesmas (Ordem dos Enfermeiros, 2015).
No que toca à delegação,
"os Enfermeiros apenas podem delegar tarefas em pessoal deles funcionalmente dependente quando este tenha a preparação necessária para as executar, conjugando-se sempre a natureza das tarefas com o grau de dependência do utente em cuidados de enfermagem" (Ordem dos Enfermeiros, 2015).
No Processo de Supervisão Clínica de estudantes em ensino clínico concluo que a mesma poderá ser aplicada em dois contextos: primeiro na delegação realizada pelo enfermeiro orientador (supervisor) no estudante (supervisado) e em segundo lugar pela delegação realizada pelo estudante na equipa multidisciplinar, nomeadamente, na equipa de assistentes operacionais.

Assim para que a delegação ocorra com segurança e sucesso é imprescindível que o enfermeiro orientador esteja constantemente a avaliar as capacidades e competências do estudante de forma a decidir quais as intervenções que lhe poderão ser delegadas bem como avaliar a sua capacidade de delegação.
No decorrer do trabalho autónomo realizado no âmbito desta Pós-Graduação tomei conhecimento de um Enunciado de posição relativo à delegação e supervisão de cuidados de Enfermagem, realizado pela Ordem dos Enfermeiros, com o objetivo clarificar, apoiar e
orientar a tomada de decisão neste contexto.
Considero que é um documento de grande relevo para ser trabalhado com os estudantes no âmbito do ensino clínico e que fica disponível para acesso aqui.
Artigo 104.º - Do direito ao cuidado
O enfermeiro assume o dever de:
a) Co-responsabilizar-se pelo atendimento do indivíduo
em tempo útil, de forma a não haver atrasos no diagnóstico
da doença e respetivo tratamento. (Lei n.º 156/2015, 2015)

Fonte: Noray
Durante os Processos de Supervisão Clínica de estudantes em ensinos clínicos sempre tentei capacita-los para algo que considero ser fundamental para a gestão dos cuidados de enfermagem: a gestão de tempo e, simultaneamente, de prioridades.
A verdade é que o fazia sem ter presente na memória os pressupostos legais que norteiam a nossa intervenção e que, durante este Pós-Graduação, me foram sendo relembrados.
Considero que expor este dever tal e qual como está enunciado anteriormente poderá ser facilitador em ensino clínico para reforçar aos estudantes que a verdadeira importância da gestão de tempo e prioridades não é "acabar os banhos antes do meio dia" ou "sair do turno a horas", mas sim que não ocorram atrasos no diagnóstico ou tratamento dos utentes.
Artigo 104.º - Do direito ao cuidado
O enfermeiro assume o dever de:
b) Orientar o indivíduo para o profissional de saúde
adequado para responder ao problema, quando o pedido
não seja da sua área de competência;
(Lei n.º 156/2015, 2015)

Em relação a esta alínea ficou principalmente na minha memória a palavra orientar que maioritariamente, no contexto de prática clínica, é substituída por chamar.
Se a palavra chamar diz respeito apenas a "fazer com que outro venha", faz todo o sentido substituir a mesma por orientar visto que vai muito além disso (Priberam, 2023).
Orientar engloba no seu significado "informar" e também "encaminhar", trazendo assim muito mais significado e valor a esta intervenção realizada pelos enfermeiros no seio da equipa multidisciplinar. Assim sendo é importante desde cedo, na formação dos enfermeiros nomeadamente em ensino clínico, incentivar o seu uso (Priberam, 2023).

Também em relação a esta alínea a mesma toma relevância quando queremos expor aos estudantes a importância de termos capacidade de identificar quais as nossas competências de forma a compreendermos quando existe necessidade de intervenção de terceiros, de forma a prestar os melhores cuidados possíveis aos utentes. Esta ideia deverá também persistir em contexto de ensino clínico, fomentando nos estudantes a constante auto-avaliação das suas capacidades e competências para que consigam avaliar quais as intervenções que serão capazes de realizar autonomamente e em quais necessitam de orientar para o seu enfermeiro orientador ou para outro membro da equipa multidisciplinar.

Artigo 105.º - Do dever de informação
O enfermeiro assume o dever de:
a) Informar o indivíduo e a família no que respeita aos
cuidados de enfermagem;
b) Respeitar, defender e promover o direito da pessoa
ao consentimento informado; (Lei n.º 156/2015, 2015)
Este é mais um artigo de extrema importância no decorrer dos Processos de Supervisão Clínica de estudantes em ensino clínico uma vez que diz respeito a duas temáticas centrais e constantes nos cuidados de enfermagem: informação e consentimento.
Fonte: MDatl
Se não deverão ser prestados cuidados sem consentimento, também não deverá ser pedido consentimento sem ser prestada a devida informação.

Muitas das vezes a ansiedade de estar colocado à prova e de querer realizar os melhores cuidados possíveis, deixam a informação e o pedido de consentimento em segundo plano.
É recorrente serem observadas expressões como "agora vou ver os seus sintais vitais" ou "tome agora o pequeno almoço e a seguir venho ajuda-lo no banho". Esta atitude paternalista deverá ser substituída pela promoção da autonomia e liberdade individual, expondo a informação relevante para que o utente, com capacidade de decisão, possa aceitar ou recusar os cuidados que lhe são propostos.
Para isso, é importante que os estudantes se preparem principalmente a nível teórico para que sejam capazes de de informar devidamente os utentes e esclarecer as dúvidas que estes coloquem.
(Poderá aceder ao enunciado de tomada de posição da Ordem dos Enfermeiros sobre o Consentimento Informado para as intervenções de enfermagem (Parecer 116/2007) aqui.)
Artigo 106.º - Do dever de sigilo
1 — O enfermeiro está obrigado a guardar segredo profissional sobre o que toma conhecimento no exercício da
sua profissão. (Lei n.º 156/2015, 2015)

Muitas das vezes tomamos o sistema utente-família como uma única unidade, estando muitas vezes a família erradamente legitimizada para receber informações relativas ao utente, algumas vezes até antes do próprio utente. A família deverá apenas receber a informação que o próprio utente autorize divulgar ou se estiverem implicados no plano terapêutico, por exemplo sendo cuidadores informais, tendo como objetivo proporcionar bem estar ou proteger os direitos da pessoa cuidada.
Em caso de necessidade de quebra de sigilo profissional é importante consultar aqui a informação fornecida pela Ordem dos Enfermeiros em relação a este ponto. Fonte: ResearchBite
Trabalho realizado em aula
Durante o Curso de Licenciatura em Enfermagem a minha motivação para a Unidade Curricular "Ética e Deontologia em Enfermagem" era pouca. De forma proporcionalmente inversa, a dificuldade na aprendizagem dos conteúdos leccionados era bastante.
No decorrer desta Pós-Graduação de Supervisão Clínica em Enfermagem, foi notável a maior facilidade na apreensão de novos conhecimentos nesta área, situação que atribuo à minha maior capacidade de transferir e interligar a "teoria" com a prática que se relaciona com os oito anos de exercício da profissão que já apresento.

Muito provavelmente as dificuldades que senti há oito anos são também as dificuldades que os estudantes de enfermagem continuam a sentir nos dias de hoje. Assim sendo, as novas aprendizagens realizadas nesta Unidade Curricular, que expus anteriormente, terão um lugar bastante importante no meu Processo de Supervisão de Estudantes em Ensino Clínico para que também eles consigam descobrir a teoria na prática.
Referências Bibliográficas
Conselho Internacional de Enfermeiros. (2016). CIPE Versão 2015: Classificação Internacional para a Prática de Enfermagem. Lisboa, Portugal: Ordem dos Enfermeiros.
Decreto de Lei de 10/04 de 1976. (1976). Constituição da República Portuguesa. Diário da República n.º86/1976, Série I, de 10-04-1976. https://www.diariodarepublica.pt/dr/legislacao-consolidada/decreto-aprovacao-constituicao/1976-34520775
Deodato, S, (coord.).(2015). Deontologia Profissional de Enfermagem. Lisboa, Ordem dos Enfermeiros. Disponível em: https://www.ordemenfermeiros.pt/media/8887/livrocj_deontologia_2015_web.pdf
Lei n.º 156/2015 de 16 de setembro.(2015). Estatuto da Ordem dos Enfermeiros. Diário da República n.º181, Série I, de 2015-09-16. https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?tabela=leis&nid=2446&pagina=1&ficha=1
Ordem dos Enfermeiros. (2015). Estatuto da Ordem dos Enfermeiros e REPE. Lisboa, Portugal: Ordem dos Enfermeiros. https://www.ordemenfermeiros.pt/arquivo/publicacoes/Documents/nEstatuto_REPE_29102015_VF_site.pdf
Organização das Nações Unidas. (1948). Declaração Universal dos Direitos do Homem. https://www.unric.org/pt/declaracao-universal-dos-direitos-humanos/
Priberam. (2023, Dezembro 28). Dicionário Priberam da língua portuguesa. https://dicionario.priberam.org/